BICHOS, CÉU E MORTE
Que teixugos perdi na minha infância
que tordoveias que foram
horas felizes que depois voaram
e que andorinhas
que nem bem poisavam nos fios
as estonteantes
que passo miúdo sempre em fuga
das codornizes pela vinha
e que sei eu ainda
que ninhos de caçapos que leveza
de pêlo fofo entre maçãs
meio podres caídas num caminho
que vinha do Mirante
descendo quase a pique para a estrada
que tiros secos de caçadores
nas ínsuas que arruído
ao voo das perdizes de asa tenra
que logo uma levava a sua carga
de chumbo e se atrasava e tonta
se enredava no restolho
que eu apartei um dia à mão
para vê-la morrer indecifrável
e que brandos
que ventos brandos lentos
meneando os ramos das carvalheiras
que torpor de medo à noite
à hora das estrelas que me lembro
delas a atravessarem o céu
diz-se riscar o céu e é verdade
que o fazem com as unhas
talvez os próprios anjos luminosas
que dor pré-cordial que miserável
saudade se me entorna em tudo isto
que bem feitas as contas
não é nada de nada na saca do mundo
que não é senão
um pó que nem se palpa
na peneira do mundo
Variações em Sousa, 1987